Um buquê de greguerias
Sérgio Alcides

 

greguería. (De griego1). f. 1. Vocerío o gritería confusa de la gente. 2. Agudeza, imagen en prosa que presenta una visión personal, sorprendente y a veces humorística, de algún aspecto de la realidad, y que fue lanzada y así denominada hacia 1912 por el escritor Ramón Gómez de la Serna.
Real Academia Española. Diccionario de la lengua española. 21ª ed. Madri: RAE, 1992.

Ramón Gómez de la Serna – ou simplesmente Ramón, como ficou mais conhecido – nasceu em Madri em 1888, e morreu em 1963, em Buenos Aires. Participou das vanguardas literárias madrilenhas de princípios do século XX, mas deixou a cidade no início da Guerra Civil, em 1936. Escreveu romances, biografias, ensaios, crônicas e uma autobiografia, Automoribundia. Segundo um de seus melhores críticos, Rodolfo Cardona, seus romances El hombre perdido (1947) e o inacabado El hombre de alambre (de publicação póstuma) “combinam uma visão existencialista com a escrita vanguardista, adiantando-se assim a escritores como o Beckett de L’Innommable etc.”

Ao longo de praticamente toda a vida, Ramón praticou o gênero de escrita breve e aguda a que deu o nome de greguería – e que não gostava que chamassem de “aforismo”. Dizia que as “greguerias” são “só exclamações fatais das coisas e da alma ao tropeçarem entre si por puro acaso”, o que justifica os críticos que o consideram um precursor do surrealismo. Em geral, ele as percebe como uma revelação repentina, independente da lógica e da razão imperantes na “vigília”: “Uma gregueria é o buscapé do pensamento”. Algumas delas incorporam interessantes sugestões visuais (inclusive brincando com a forma das letras do alfabeto ou com os sinais de pontuação). Muitas se aproximam do lirismo: “Nossa sombra é a caixa de violino da nossa figura”. Outras extraem seu efeito de insight ou sua graça da aproximação insólita de idéias díspares, recontextualizadas: “O elevador nos espera como um buda que sobe e desce”. Vale como uma gregueria a mais a equação que o autor inventou para explicar o gênero: “Metáfora + Humor = Gregueria”.

As primeiras apareceram em 1912, na revista de vanguarda Prometeo. Em livro, elas estrearam em 1914. Nas décadas seguintes, Ramón publicou ainda muitas outras coletâneas dessa escrita necessariamente dispersa e (a propósito) errática. Desde cedo, também foram organizadas antologias, como Greguerías selectas (1919), Las 636 mejores greguerías (1927) e Flor de greguerías (1935, 1958). No exílio, o autor continuou acrescentando esse tesouro de iluminações súbitas, até chegar à publicação de uma improvável edição de Greguerías completas (1947). Ainda em vida, Ramón lançou pela Aguilar de Madri um Total de greguerías (1955). Hoje, a edição mais autorizada (até onde sabe este tradutor) é a preparada e prefaciada por Cardona (Greguerías. 9ª edição, preparada por Rodolfo Cardona. Madri: Cátedra, Col. Letras Hispánicas, 1997). Foi esta a fonte utilizada para a seleção aqui apresentada.

Na tradução para o português, as greguerias perdem o acento. Em compensação, ganham um pingo.

São Paulo, novembro de 2005.

Clique aqui para ler as greguerias (tradução e seleção: Sérgio Alcides)

Ilustração: Ramón, acompanhado do manequim que tinha em seu escritório.