Timoféiev
Leonid Dobýtchin
Trad. Moissei Mountian

Reprovado no exame, Timoféiev nem foi almoçar. Dirigiu-se direto para casa, tirou a jaqueta e deitou-se para dormir. Atarracado, com o rosto cinzento e a barbicha amarela desgrenhada, ele deitou-se de costas e começou a roncar. Sobre sua testa, curvando-se como varas de pescar, pendiam algumas mechas inconsistentes, às quais aderiam os cabelos ralos. A camisa azul de cetim desbotada escapou do cinto, e, entre ela e a calça, apareceu a camisa de baixo, manchada por um percevejo esmagado. Moscas assentavam no seu rosto – ele gemia e as afugentava com a mão, mas não acordava. Só foi acordar de noite, após o pôr-do-sol, com a luz ardendo numa lâmpada, largada num canto qualquer depois de uma noite longa de estudos, e a torneira aberta. Ele saltou da cama e, pondo os pés no chão, começou a esfregar os olhos com o punho da manga esquerda segurando-o com a mão direita. – Preciso pedir um samovar – disse a si mesmo e foi atrás da senhoria. Ela não estava em casa, e ele foi procurá-la no quintal.

Uma lua vermelha, pesada e opaca, como uma meia-lua de marmelada, espiava nos quintais. No poente vermelho, faixas cor de poeira se apagavam, como pó varrido e largado no canto da soleira. Tudo estava em silêncio, e a senhoria, sentada num degrau da entrada, envolta num lenço grande, não se mexia, sequer piscava, deleitando-se com a tranquilidade e a quietude. Timoféiev, calado, sentou-se no degrau de cima. Eles ficaram assim, mudos e imóveis, com os olhos fixos no céu. O apito de uma locomotiva soou ao longe. A senhoria deu um suspiro baixo e sussurrou: – É a finlandesa. – Que finlandesa? – perguntou Timoféiev, sussurrando. – A estrada de ferro finlandesa. Eles se calaram outra vez e ficaram sentados ainda por muito tempo, quietos e retraídos, até ouvirem uma janela abrir e alguém gritar de lá: – Dária Ivánovna, onde você está? Não seria possível um samovar? – Para mim também, por favor – disse Timoféiev, então se levantou e foi para o quarto.

Pensativo, ele engolia o chá e mastigava o pão de farinha fina: algo muito importante, assim lhe parecia, aconteceu naquele instante, enquanto ele estava sentado na escada e olhava o céu toldado, que prometia chuva para amanhã.

Leonid Ivánovitch Dobýtchin (1894-1936), hoje mundialmente aclamado, desapareceu na década de 1930 e só foi redescoberto depois de 1990, com uma safra de escritores vanguardistas e modernistas russos obscurecida pela censura da era stalinista.

Dobýtchin enfrentou uma vida cercada de pobreza – trabalhou como estatístico em cidades do norte da Rússia e da Letônia, onde nasceu, dividindo quartos de solteiro com a mãe, uma parteira, e os três irmãos. Apenas aos 40 anos ele pôde escrever em tempo integral, numa escrivaninha própria, quando recebeu da União dos Escritores Soviéticos um quarto num apartamento comunal em São Petersburgo.

Sua morte está envolvida em certo mistério. No momento em que Stálin declarou guerra ao formalismo, Dobýtchin foi acusado de ser o mais formalista entre os formalistas e politicamente míope e por isso, talvez ainda agravado por sua homossexualidade e pela sua figura voluntariosa, foi considerado um inimigo da classe. Ele se defendeu das acusações e desapareceu no dia seguinte, e nunca mais ninguém o viu.

In Encontros com Liz e outras histórias – col. Contos russos modernos (1900-1930); Ed. Kalinka: São Paulo 2009 - http://www.kalinka.com.br